A adoração verdadeira revela tanto a amizade quanto o temor a Deus.
O cristianismo afirma um lugar único entre as religiões do mundo. Nossa fé fala de um Deus diante de quem os mais poderosos santos tiram os sapatos, curvam-se, rosto em terra, e arrependem-se no pó e na cinza. Ao mesmo tempo, ela afirma um Deus que veio à terra, como um bebê, que mostrou carinhosa misericórdia para com as crianças e os fracos, que nos ensinou a chamá-lo de Aba, que amou e foi amado. Os teólogos dizem que Deus é transcendente e imanente. Deus inspira, ao mesmo tempo, respeito e amor, temor e amizade.
Para os mais modernos, no entanto, o sentimento de respeito surge com muita dificuldade. Domesticamos os anjos até transformá-los em brinquedos de pelúcia e ornamentos natalinos, fazemos cartões de São Pedro nos portões do céu, amansamos o fenômeno da Páscoa com coelhos desajeitados e substituímos o respeito dos pastores e dos magos por duendes fofinhos e um homem divertido vestido de vermelho. O Deus todo-poderoso ganhou apelidos, como ‘O Grande Cara’ e ‘O Homem Lá de Cima’.
Em fevereiro de 2005, esta revista publicou um artigo que trata de um assunto que me irrita. Qual foi o processo que levou a palavra adoração tornar-se sinônimo de música? Por muitos meses, minha igreja procurou um ‘pastor de adoração’ e houve um desfile de candidatos para uma audição, com seus violões e grupos vocais. Sim, alguns deles oraram: ‘Senhor, apenas o Senhor sabe, esteja verdadeiramente conosco esta noite e deixe-nos saber que está aqui’. Ninguém mostrou muito conhecimento de teologia e, seguramente, ninguém nos levou a sentir algo como respeito. Hoje, adoração significa preencher com barulho qualquer espaço de silêncio.
Saúdo o sentimento de celebração e alegria aparente em muitas músicas atuais. Ainda assim, espanta-me o que deixamos de lado quando tentamos reduzir a distância entre a criatura e o Criador, distância essa tão eloquentemente expressa por Jó, Isaías e os salmistas. João, o discípulo a quem Jesus amava, que reclinara a cabeça sobre Jesus, registrou, em Apocalipse, que caiu aos seus pés como morto, quando Jesus apareceu em toda sua glória.
O estilo de adoração oscila de cá para lá, como um pêndulo, do ortodoxo ao doukhobors, do anglicanismo aos quacres, do luteranismo ao moravianismo, de igrejas aprovadas e estabelecidas às igrejas contracultura emergentes; e, talvez, precisemos de um pouco das duas. Certa vez, Sören Kierkegaard disse que lidamos com a adoração como se o pastor e o coro fossem atores, e a congregação, a audiência, quando, em vez disso, Deus deveria ser a audiência; o pastor e o coro, os incitadores; e a congregação, os verdadeiros participantes. O que apresenta uma questão interessante: que tipo de música Deus prefere? Parece que temos muito tempo para aprender a resposta a essa pergunta, pois Apocalipse apresenta muitas cenas de criaturas adorando Deus por meio da música e da oração.
Abraham Heschel, eticista e escritor judeu, fez a seguinte observação: “Respeito, ao contrário do temor, não nos faz encolher diante do objeto de respeito, antes, leva-nos para perto dele”. E a Martinho Lutero disseram que ele devia orar com a reverência de estar se dirigindo a Deus, e a ousadia de estar se dirigindo a um amigo.
Um líder de adoração, que causa um crescente impacto na música cristã, tenta manter em criativa tensão esses dois elementos de respeito e temor. Matt Redman, autor de canções como Heart of Worship [Coração de adoração], Better Is One Day [Um dia melhor] e Let My Words Be Few [Que minhas palavras sejam poucas], lidera o grupo Soul Survivor, que se reúne em grande armazém em Londres, Inglaterra. Certo ano, Redman e seu pastor, preocupados com o fato da música de adoração ter se tornado o foco dos músicos, em vez de Deus, deram um audacioso passo e eliminaram totalmente a música do culto de adoração. Após esse período de ‘jejum’, ele emergiu com uma nova compreensão de adoração. Conforme declarou em uma entrevista no rádio:
[Adoração] é mais bem resumida em Ef 5.10, que afirma: “Aprendam a discernir o que é agradável ao Senhor.” Se você falar sobre música, na verdade, quer fazer uma oferta que o agrade e, obviamente, ele não está preocupado com a música em si, o estilo ou se você toca no tempo certo e coisas assim. Quando você despeja seu coração na música e apóia isso com sua vida, esse, provavelmente, é um coração de adoração.
Um disco de Redman, lançado em 1998, chamado The Friendship and the Fear [A amizade e o temor], retirou seu título de um versículo do Salmos 25: “O Senhor confia os seus segredos aos que o temem, e os leva a conhecer a sua aliança” (v. 14). Redman continua a explorar a região fronteiriça entre o respeito e o temor, pois a autêntica adoração engloba ambos. Essa é a resposta apropriada, quando o Deus santo faz um convite à intimidade para o ser humano imperfeito. No Antigo Testamento hebraico, a palavra original para adoração significava ‘curvar-se em reverência e submissão’. No Novo Testamento, a palavra grega mais usada para adoração significa ‘apresentar-se para beijar’. Entre esses dois significados – ou em uma combinação de ambos – encontra-se nosso melhor caminho para Deus.
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Philip Yancey
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